2013-12-23

POSSE I

"Segue os relatos que escrevo sobre uma vida tenebrosa que eu tive. Aonde não sabia o que era o Sol, não conhecia o Carinho e a Felicidade era inexistente.
Mesmo eu sabendo que provavelmente ninguém ira conseguir ler isso a tempo, deixo aqui toda a minha dor."
-Diário de Glória.
30 dias antes de ser capturada.
Tentou se matar 2 vezes.

~GLORIA~


Acordei de forma súbita, como sempre acordava. O cheiro de podridão, sempre presente, era difícil de se acostumar. Mesmo que dias tivessem passado, eu não tinha mais noção do tempo. Quando você não tem que acordar cedo pra ir pra escola ou escutar a voz gentil da tua mãe falando pra se levantar cedo para aproveitar o domingo, não existe mais medida para o tempo.
Eu estava morrendo de tédio E medo. O medo só durava até que ela me causasse dor. E nos momentos de dor eu encontrava Esperança. Esperança de que tudo pudesse acabar naquele momento. Mas não acabava.
Ela ainda continua me agredindo. Continuava me punindo por coisas que eu nunca fiz. Ela era Doente, precisava de ajuda. Ela estava Sozinha e ela era minha Amiga.

Ela era a minha Amiga ha muito anos, mas eu não conseguia mais lembrar o seu nome. Na verdade eu não conseguia mais lembrar o meu próprio. Seria Fernanda? Amanda? Não... Acho que era Glória. Sim! Esse seria um nome bonito de se ter.
E como eu deveria chamar a minha captora? Uma vez chamei ela de Maria e ela apenas sorriu e me bateu no rosto. Depois cortou um pedaço da minha língua e desde então eu nunca mais falei uma palavra.
Não tenho raiva dela.

Eu comia uma vez por dia. Geralmente alguma fruta podre ou um pedaço de pão embolorado. Ela dizia que eu não deveria engordar pra não ficar feia.
Amigas cuidam uma das outras, não é mesmo?

Hoje ela não me bateu nenhuma vez. Apenas ficou me abraçando por horas e chorando. Preferia ter apanhado.

Finalmente eu consegui ver o sol. Foi tão bonito! Fiquei olhando até os meus olhos arderem. Ela viu a cena e furou um dos meus olhos. "Não almeje a luz quando você só pode ter a noite!" Ela disse.
Não tenho raiva dela.

As vezes eu conseguia ouvir uma música. Tão melancólica quanto os meus dias aqui presa. Sua melodia suave se tornou a minha trilha sonora aqui. Algo tão bela confinada dentro de um quarto escuro enquanto conta os dias para o inevitável. 
Ela viu que eu estava contando e cortou um dos meus dedos.
Não tenho raiva dela.

Hoje ela veio com um olhar vazio em seus olhos, disse algumas palavras que eu não pude ouvir, e finalmente me libertou.
Enfiou uma faca em meu peito e começou a chorar.
Enquanto o sangue se esvaia do meu corpo, eu pude ver que ela trazia outra garota para o quarto. Eu estava sendo substituída.
Eu tenho raiva dela.
~




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